Do Baú:
A lua nasceu, rubra, como uma chama
Veio com o crepúsculo e agora, já noite
domina o céu, imponente e solitária
Ficar assim, a olhar a lua cheia
e a sua doce tranquilidade
Ouve-se um murmúrio crescente nas ruas
as pessoas animam-se, as crianças brincam ainda
Em breve todos saem de casa e passeiam, ociosos e felizes
O rio, com a maré vaza, não se vê brilhar
Alguém toca viola aqui perto
sempre a mesma melodia andaluza
Ficar assim, a olhar a lua cheia
já mais pálida, a dominar o céu
na sua doce tranquilidade
("Do tempo dos sonhos", Punta Umbria 1983)
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Do Baú:
Amanheceu
o céu cobriu-se de nuvens
uma névoa cinzenta desceu lentamente
O rio ficou cor de chumbo
Sons familiares chegam de longe
sons que vibram docemente dentro de mim
A tonalidade cinza da névoa sobre as coisas
envolve-as de mistério
mesmo as mais simples
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Bolachas deliciosas
Mais uma receita da Fernanda, de quem recordo o riso musical e o colo acolhedor. Por sua causa talvez, adoro cozinhas! Sobretudo as luminosas, muito brancas, onde a luz entra logo de manhã.
Bolachas deliciosas
500 gr. de farinha
250 gr. de manteiga
250 gr. de amêndoa
200 gr. de açúcar
canela q.b.
leite para ligar
Faz-se um rolo e corta-se às fatias que vão ao forno em tabuleiro untado com manteiga.
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Do Baú:
Verão. Paira no ar um estranho silêncio. As árvores parecem dormitar.
E as noites são tão quietas, como se esperassem, por nós, o acordar.
É sempre no Verão que as coisas acontecem.
Mas é no Outono que adormecem e ficam, como se passassem a fazer parte de mim.
Outono. Vem devagar e suave, guardar mais uns dias os dias que foram um sonho!
Ressurgem sempre de novo, as vivências que foram e se transformaram.
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Do Baú:
Há dias assim, em que imaginamos tristezas, mágoas, medos, raivas, guerras, solidões. E não sabemos o que fazer. Em que as energias nos escapam, em que os sonhos se esfumam - como se a vida hesitasse por momentos até se encontrar de novo.
Dias tristes de abandono e de cansaço.
Um dia sonharemos de novo e renovaremos as forças com a mesma certeza com que fizemos da mágoa alegria, dos olhos magoados um sabor de abraços. Mais uma vez.
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Do Baú:
Um pouco de infinito
Por vezes perguntava-me porquê. Porquê aquele súbito entrever de um sentimento muito mais profudo, muito mais forte, mas tão fugidio, tão impenetrável! Vislumbrava-o apenas e já se esfumava, como se tivesse sido uma ilusão.
Mas não era. E eu sabia. Sentia-o ainda em mim, em todo o meu ser. Permanecia ainda a sensação de que algo de maravilhoso me penetrara, percorrera milhões de vezes a minha vida num segundo, nem tanto. E se fora.
Sentia ainda em mim a beleza desse momento vivo. Era como se tivesse compreendido de repente quem era, o que fazia ali, porque e como a vida se desenrolava entre tantas outras vidas, aparentemente desencontradas, aparentemente sem sentido.
Parecia magia, mas não era! Era uma certeza tão sólida como todas as outras. Era como um elo entre mim e o universo, leve cumplicidade de ter encontrado, num relâmpago, o que me unia com o que até aí me parecera incongruente.
Mas como explicar o que sentia nesses momentos? Como a linguagem é limitada! Mas como também é desnecessária!
Não sei agora, depois de tudo passar... É como se tivesse de novo regressado do infinito. Para de novo voltar.
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Do Baú:
Na mais ténue incerteza
estava a razão de estar ali
naquele preciso momento
e as palavras eram ditas
como em pensamento
e as não ditas...
estavam-nos no sangue!
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Do Baú:
A névoa dissipa-se
E és o sol entre neblinas matinais
E os teus braços descaem como nuvens
a renascer em manhãs de azul
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Beijinhos de prata
Da Fernanda ficou-me uma vaga recordação de um colo e de um riso musical. E a poesia das suas receitas de doçaria. Não resisti a colocar aqui a primeira, com título carinhoso (e tão português):
Beijinhos de prata
100 gr. de amêndoas raladas
100 gr. de açúcar
100 gr. de chocolate
Amassa-se tudo juntando uma ou duas colheres de café. Fazem-se uns bolinhos envolvidos em açúcar pilé.
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...
Da energia original
brutal e indiferente
do unicelular ao policelular
de um meio aquático
para um meio pantanoso
e depois para um meio arbóreo
habitado de forma diversa
surgiu, talvez por acaso
talvez de um som
ou de uma perda
ou de uma claridade
a consciência.
Será que é essa consciência
aquela a que chamamos Deus?